
Abri minha janela do quarto, pela manhã, e vi alguns meninos empinando suas pipas, numa conversa centrada sobre técnicas de manuseio das pipas, sobre tipos de linhas, cerol, etc. Senti tanta saudade de minha infância quando eu ajudava ao meu irmão a confeccionar as pipas para, depois, sairmos correndo pela rua a empiná-las.
Queria ser criança de novo e acordar de manhãzinha com aquele cheirinho gostoso de café, coado no coador de pano, com minha mãe nos chamando para irmos à escola. Mas, não sem tomarmos nossa xícara, enorme e esfumegante, de leite com café e um naco de pão de filão, tão quente que derretia a manteiga, daquelas de lata. Lá íamos nós, meus irmãos e eu, para a escola, levando nossas lancheiras com sanduíches de mortadela ou pão doce recheado de creme e nossas garrafinhas com suco de groselha ou mesmo laranjada.
Quando voltávamos da escola, muitas vezes íamos seguindo o homem do biju, ouvindo o trec trec e já combinando entre nós o modo como iríamos pedir o dinheiro para a mamãe para podermos comprar.
Lembrei-me da vendinha na esquina, onde tinha tanto doce que ficávamos na dúvida sobre qual comprar, se o de abóbora em forma de coração, o de batata roxa ou o suspiro cor de rosa.
Tantas guloseimas...Fez-me lembrar, também, do homem que vendia língua de sogra, um doce com massa assada, em forma de canudo e recheada com creme. Também a barraca de queijadinha, quebra-queixo, maria mole, machadinha, cocada...hummmm! Que saudade!
Saudade da hora do almoço, quando mamãe e nós, sentávamos à mesa para saborearmos as comidinhas simples, cheirosas e super saborosas que eram o feijão com arroz, bife e batatas fritas na hora. Quando tinha bolinho de espinafre ríamos da cara feia que meu irmão fazia e a maneira como conseguia convencer mamãe e trocar por um ovo frito.
Nas noites frias, uma sopa bem quente, de mandioquinha, de legumes com macarrão aletria, sopa de feijão ou canja de galinha quando estávamos doentes.
Saudade dos finais de semana, quando minha mãe preparava, em casa mesmo, deliciosas pizzas e do almoço de domingo com aquela bela macarronada, frango na caçarola e salada de maionese. Como sobremesa não podia faltar manjar branco com calda de ameixa, arroz doce, pudim de pão, doce de abóbora ou mesmo goiaba cascão com queijo minas macio.
Quando passava a carrocinha da Kibon era aquele alvoroço da criançada, pedindo chicabon ou esquibon, lembram? Mas, se estivesse com dor de garganta só podia comer chocolate kicoisa ou kibamba, tanto faz.
Ah! Que saudade das frutas frescas, muitas delas, colhidas no pé, quando íamos em férias para casa de nossa bisavó, no interior de SP ou em casa de nossas tias, no sul de MG. Mangas cheirosas, mexericas, pitangas gorduchas, jabuticabas que estouravam na boca, abacates arremessados da arvore por meu irmão, metido a valente e que sempre subia nas árvores para apanhar as frutas e soltá-las para que pudéssemos pegar em nossas saias rodadas, que serviam de aparadores. Entre suor e gargalhadas voltávamos correndo para a casa da Bisa e despejávamos tudo sobre o chão de cimento batido e encerado de vermelho. Em verdadeiro ritual, começávamos o processamento dos sucos e vitaminas, deixando nossa Bisa e nossa mãe com os cabelos em pé, por tantos pedidos ao mesmo tempo.
À tarde, enquanto brincávamos explorando o lindo quintal, repleto de árvores e esconderijos, sentíamos o perfume delicioso dos bolos de fubá ou de milho, de mandioca ou de chocolate, que logo seriam degustados com goles sôfregos de leite com café, ou, com groselha nos dias mais quentes, suco de laranja sem coar para não tirar o prazer de mastigar os pedacinhos de bagaço.
Nas tardes mais geladas, enfiados sob cobertores ou colchas de retalho, mamãe nos trazia mingau de aveia, de cremogema ou de maisena.
E as festas juninas? Quanta saudade. Além de toda comilança das paçocas, pés de moleque, pamonha, curau, tinham as danças inesquecíveis das quadrilhas mal ensaiadas entre os familiares e amigos, as barraquinhas da pesca, da argola, do tiro ao alvo, do pau de sebo.
As festas de aniversário com muitos brigadeiros, beijinhos, cajuzinhos, balas de coco embrulhadas em papel crepom rosa ou azul, o bolo recheado com doce de leite e confeitado por mamãe que não vencia de vigiar para que não ficasse a marca de nossos dedos abelhudos sobre o glacê e bolinhas coloridas.
Tanta saudade de meu amado pai, ralhando com minha mãe e a dizer para que deixasse a criançada fazer o que quisesse, pois que a festa era nossa.
Ah! Papai do céu! Hoje é você que o ouve cantar bem alto a canção do parabéns a você, junto com todos os nossos avós, tios, sobrinhos, parentes, amigos, que já estão aí no céu, com meu querido pai.
Saudade de tudo.