terça-feira, 22 de setembro de 2009

ET existe?

Era Novembro de 1984, fim de tarde, Rodovia Anchieta, indo de São Bernardo do Campo para São Paulo, viagem de 20 ou 30 minutos. De repente, o motor parou de funcionar. Parei no acostamento da rodovia. Insisti em nova partida de motor. Nada. Fiquei apreensiva, afinal, tinha aos meus cuidados duas senhoras idosas, uma pessoa com necessidades especiais e duas crianças. Minha avó, sua filha altista, a irmã de minha avó, igualmente idosa e meus dois filhos pequenos.
Várias tentativas para fazer o carro funcionar e todas frustradas.
Naquela ocasião não dispúnhamos de telefone celular que só surgiu no Brasil em 1990. O jeito foi caminhar até um dos telefones SOS, espalhados pela rodovia e torcer para que estivessem funcionando.
Deixei meus tutelados fechados no carro com inúmeras recomendações às crianças e às idosas e lá fui eu. Alcanço um telefone e comunico a pane. Sem experiência neste problema, fui respondendo às perguntas do atendente da DERSA, concessionária que administrava a Anchieta na época. Ele chegou à conclusão que poderia ser falta de combustível e que, para este problema, ele não poderia enviar o socorro, só podendo ligar para algum contato que eu deveria indicar. Por mais que eu dissesse que havia abastecido o veículo naquela tarde e que não seria falta de combustível, negaram-me ajuda. Passei o número de telefone para o qual ele avisaria e desliguei, já meio desesperada. Volto até o veículo e comunico para minha avó o ocorrido e saio em busca de combustível. Caminhei muito até encontrar um auto posto e comprei o combustível para ser colocado no automóvel, somente para acalmar a consciência. Obviamente o problema não era falta de gasolina e, mesmo com insistência na partida, o motor não funcionou. Tentei empurrar o carro para fazê-lo “pegar no tranco”, mas, sem sucesso. Enquanto eu tentava de tudo, os pseudos atletas que fazem corridas à margem da rodovia, passavam de largo, esquivando-se e ninguém pode nos ajudar efetivamente.
Já anoitecia e as crianças reclamavam de fome, as senhoras idosas queriam utilizar o banheiro e meu desespero crescia ao ver-me impotente diante daquela situação.
Fiz vários sinais, pedindo ajuda para os outros carros que passavam em alta velocidade e não paravam. Até ajoelhei e, mesmo assim, ninguém parou para ajudar.
Eu decidi voltar ao telefone SOS e relatar sobre o problema que persistia. Novas recomendações para todos ficarem fechados no carro, em segurança, pois logo eu voltaria. Todos estávamos expostos ao perigo ali.
Saio em direção ao telefone que estava funcionando, que ficava a dois km dali, aproximadamente, rezando e já chorando. Nos primeiros metros de caminhada, percebo que vem em minha direção um homem caminhando lentamente. Vestia um sobretudo preto e também usava chapéu, igualmente preto. Tinha as mãos nos bolsos. Passei por ele rezando para todos os santos que eu consegui me lembrar e segui. Porém, lembrei-me dos meus lá no carro e o homem seguia naquela direção. Voltei imediatamente, a passos largos, coração aos pulos e respiração ofegante. Temia por assalto e por inúmeras outras crueldades que alguém poderia cometer contra pessoas tão indefesas e vulneráveis feitos nós, ali naquele local. Vi que o homem passou ao lado do carro e seguiu, Consegui alcançar o carro e entrei fechando tudo. Olho pelo espelho retrovisor e vejo o homem voltando.
Nossa. Como senti medo naquela hora. Mas, nada mais poderíamos fazer. O homem se aproximou de minha janela e perguntou o que estava havendo. Desci meio vidro e contei. Ele me disse que eu não poderia ficar parada ali, pois que de madrugada passaria um comboio de caminhões, vindos do litoral sul em direção a São Paulo levando equipamentos poderosos para uma grande indústria. Ele estava monitorando as condições da rodovia e informava à companhia de hora em hora. Contei sobre todas as tentativas para o carro funcionar e, também, sobre ninguém parar para nos ajudar e que estava aguardando o marido vir em nossa ajuda. Foi quando ele disse que me ajudaria. Animada, desci do carro. Tentei chegar mais perto do homem e ele se afastava. Somente disse para eu continuar dentro do carro que ele buscaria ajuda. Vi que ele foi depressa para a pista marginal e, praticamente, se atirou sobre uma caminhonete da DERSA que parou rapidamente, atravessou o canteiro e veio até nós. Expliquei o que havia acontecido e o condutor deu uma carga de bateria, mas, nada adiantou. Examinou mais atentamente e verificou que havia quebrado a correia dentada. Pediu-me calma e paciência, pois ele solicitaria, via rádio, um guincho para nos rebocar. Aliviada voltei-me para agradecer ao homem de preto pela ajuda, mas, cadê? Ele havia desaparecido. Tratei de acalmar meu tutelados e aguardamos a chegada do guincho. Meu filhinho dormiu recostado no ombro da irmãzinha e nem viu quando o socorro veio nos rebocar. Fomos levados até o posto da DERSA mais próximo de SP onde havia pátio para guardar o carro. No interior da unidade também tinha sanitários para alívio das senhoras e, também, água fresca para todos nós. Eu tratei de ligar para o marido que já estava vindo ao nosso encontro com o outro carro para nos buscar. Enquanto eu esperava, fiquei conversando com o policial rodoviário que fazia plantão no local e contei sobre o ocorrido e comentei sobre a ajuda do monitor de rodovia e sobre o comboio. O policial me informou que não estava programado nenhum comboio vindo do litoral e que não tinha nenhum monitor ao longo da estrada. Descrevi o rapaz e o policial alegou jamais ter visto alguém nestas características circulando pela rodovia. Admirada, exclamei que foi ele quem buscou ajuda parando a caminhonete da DERSA, mas o policial retrucou dizendo que o funcionário da DERSA parou por ter visto meu carro no acostamento. Perguntou-me se eu tinha certeza daquilo, fazendo uma cara de dúvida sobre minha sanidade mental. Odiei isso.
Já passava das 22 horas quando meu marido chegou e nos levou para casa de minha avó, todos sãos e salvos. Só no dia seguinte tivemos condições de buscar o carro quebrado, junto com um mecânico de nossa confiança.
Por muito tempo fiquei pensando sobre o anjo de preto que nos ajudou e chego à conclusão que poderia ter sido um ET bondoso e disposto a ajudar.


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Chapeuzinho Vermelho

Bracinhos cruzados e meio metro de bico. A carinha mais linda do mundo, cabelos eriçados, olhar no meu.
Esperou o tempo todo, mas, suas pernas não paravam de andar no mesmo lugar, com suas botas ortopédicas que lhe definiam a musculatura ainda mais.
Bastantes vezes gritava o nome da irmã e aplaudia muito. Repetia as falas, melhor que os pequenos atores, por tantas vezes assistir aos ensaios, na escola ou em nossa casa. Ao longo do tempo que ocorreram os ensaios, foi lobo mau, chapeuzinho vermelho, caçador e vovó, pois ajudava a irmã, passando as falas com ela, pacientemente. Parecia que ele iria se apresentar, tamanha a concentração e seriedade durante os ensaios.
Pequenino, com seus 3 anos de idade, lembrava a irmã sobre os deveres escolares e sobre o horário do ensaio. Ele adorava. Participou de cada detalhe de montagem da personagem. A irmã seria a vovozinha na peça “Chapeuzinho Vermelho”, no encerramento das aulas daquele ano de 1985, quando ela terminaria a 2ª série do ensino fundamental. Os dois se emprenharam e me ajudaram na escolha da roupa que fiz para a vovó, o chinelinho que adaptei, os óculos antigos emprestados de minha mãe, o xale, a maquiagem que improvisei, até nos cabelos que os tingi de branco, usando gel para cabelo e talco. A caracterização ficou excelente. A professora elogiou muito.
Ele não cabia em si de orgulho da irmã. Por isso, queria ir lá, atuar com ela, falar a peça toda, interpretar todos os personagens. Enquanto eu tirava as fotos, tive de segurá-lo bastante e explicar-lhe que, naquele momento, éramos expectadores e não mais atores, coreógrafos, cenógrafos e figurinistas. Naquela hora, éramos mãe e irmão, assistindo nossa pequena atriz em sua performance. Depois, sim. Poderíamos abraçá-la, beijá-la e entregar-lhe o presente que ele fez questão de escolher e comprar para darmos a ela. Ele, seu maior fã.
Por isso, até segunda ordem, os bracinhos cruzados, a boca em forma de bico e as perninhas irriquietas, doidas para correr em direção à irmã e festejar com ela.
Ao final, muitos aplausos e a corrida até a irmãzinha num abraço maravilhoso. Ainda fez questão de tirar foto com toda a equipe de pequenos atores e com a professora.
Jamais esquecerei cenas tão doces da infância de meus filhos.